Nogueira, Carlos. “A oração portuguesa de tradição oral”. Culturas Populares. Revista Electrónica 4 (enero-junio 2007).

http://www.culturaspopulares.org/textos4/articulos/nogueira1.htm

 

ISSN: 1886-5623

 

 

 

 

A oração portuguesa de tradição oral

Carlos Nogueira

 

Resumo:

A partir da leitura de três livros, estudamos neste artigo alguns dos aspectos da expressão e do conteúdo da oração portuguesa da tradição oral, especificidade textual que não pode ser satisfatoriamente compreendida senão à luz do especial ordenamento estético-literário que lhe é inerente.

Palavras-chave: Oração, tradição oral, Portugal.

 

Abstract

Taking as a basis three books, this paper approaches some aspects of traditional oral Portuguese prayer, both in its contents and expressive resources. The textual specificity of these prayers may only be understood within their particular aesthetic and literary contexts.

Keywords: Prayer, Oral tradition, Portugal.

 

 

N

a tradição oral portuguesa subsiste um vastíssimo corpus de textos com valor ilocutórios, quer dizer, investidos de força pragmática, ritual, aos quais se atribui uma eficácia que explica a sua pulverização e persistência espacial e temporal. Essa riqueza contrasta – mau grado os abundantes espécimes reunidos em cancioneiros, romanceiros e monografias – com a quase inexistência de colectâneas portuguesas exclusivamente dedicadas a esses poemas orais com função oracional, devocional, actuantes sobre potências e forças superiores ou exteriores ao homem. Tratando-se embora de uma fascinante forma de poesia que se presta a enfoques analíticos aptos a destacar as junturas interdisciplinares que a notabilizam enquanto terreno pregnante de sentidos, a verdade é que também não beneficiou ainda em Portugal de um trabalho analítico de fôlego capaz de apreciar conjuntamente alguns dos seus aspectos (antropológicos, sociológicos, etnográficos, religioso-profanos, literários, etc.).[1]

Esse défice foi recentemente minorado com a publicação do acervo coligido por J. A. Pombinho Júnior – Orações Populares Recolhidas em Portel –,[2] numa relevante edição crítica de Maria Aliete Dores Galhoz, que reclama para si, com legitimidade, a introdução no nosso país do aparato editorial estribado na visualização do «percurso de uma “lição” manipulada, havendo testemunhos desses “refazimentos” e intervenções, em direcção ao testemunho originário recebido».[3] A experiência, bem sucedida, operante sobre o romance vulgar “D. Aleixo” editado no Romanceiro do Algarve (1870) de Estácio da Veiga[4], prossegue aqui intensificada, oportunamente valorizada pela descrição cuidada, teórica e programática, na “Introdução”, do método crítico encetado na feitura da obra, susceptível de aplicação a outros textos de circulação oral, numa meritória diligência de alcance pedagógico e de diálogo científico.[5]

O corpus desta obra compõe-se de 170 textos, recolhidos com solicitude científica durante anos no coração do Alentejo, em Portel, distrito de Évora, por um colector e transcritor competente e atento, que não censurou os materiais recolhidos, enriquecendo-os antes com copiosas notas para confronto. Aos 140 que configuravam o “corpo fulcral dactilografado”, em T.A/T.B”[6] (Testemunho A e Testemunho B, conjuntos dactilografados do “corpo” da obra, o primeiro original de máquina, o segundo cópia mecânica), juntou Maria Aliete Galhoz mais 30, transcritos do maço que não deixava perceber por fora o seu conteúdo, constituído por documentos avulsos, variados no conteúdo e nos suportes (que indiciam prospecções mais recentes, até porque, por outro lado, poucos revelam intervenções subsequentes de A. J. Pombinho Júnior), sem ordenação, com caligrafia nem sempre do colector.[7] A edição crítica de Maria Aliete Galhoz, no seu modo muito peculiar de perscrutação textual, mune-se do levantamento exaustivo dos múltiplos vectores dos testemunhos de base (T.A, T.B, T.a e T.b), sendo T.A, isto é, o dactiloscrito original de máquina, a plataforma com que a investigadora trabalha, concorrendo os demais testemunhos em produtiva articulação com ele, para cotejo informativo ou para suprir omissões. Apenas podemos avaliar de excelente a opção, que certamente sancionou a autora com um esforço moroso e árduo, porém aliciante e compensador, de enveredar por um meticuloso comentário do jogo informante das variantes e das acções de A. J. Pombinho Júnior na urdidura textual. O mesmo pormenor preside à descrição técnica, ponderada, dos suportes das transcrições e das modalidades das notações e revisões praticadas pelo colector e dos materiais de escrita nelas usados.

Na descrição da proveniência dos textos, se o autor-recolector assinala sempre, no manuscrito a que Maria Aliete Galhoz convencionou chamar T.a (o testemunho mais antigo), a identidade e o local de origem do informante (perto de meia centena, número muito significativo pela credibilidade e representatividade que confere ao conjunto colectado), a menção da data da recolha, pelo contrário, é muito escassa. Esta postura – tão-só a indicação geográfica da colheita e o nome do colector – insere-se na tendência editorial portuguesa de textos procedentes da transmissão oral, característica dos anos vinte/trinta do século XX e, mesmo, posterior. Contudo, na opinião da editora, se pode supor-se que A. J. Pombinho Júnior, a ter editado a colecção de orações perto da sua preparação inaugural, teria cedido a esta convenção, não é menos legítimo pensar que, num momento muito ulterior de “revisitação e trabalho de continuação (não antes dos anos ’50, cremos), esta incluiria, muito provavelmente, a nomeação dos informantes”.[8] Nesta edição preparada por uma experiente editora literária tanto de obras ditas cultas como orais / populares / tradicionais, as versões estão antecedidas de informações de procedência, elaboradas a partir dos dados constantes em T.a, de acordo com o protocolo unanimemente seguido na edição de textos “textos folclóricos”.[9] Esta abordagem textológica do espólio legado por J. A. Pombinho Júnior, que projectou a sua edição em livro autónomo, o que justifica os vários testemunhos deixados, é por isso verdadeiramente inédita e fundadora em Portugal.

A introdução que acompanha as Orações Populares Recolhidas em Portel persegue uma definição contextualizada de oração, distinguindo grosso modo a oração latrêutica, propiciatória ou pacificadora, das demais formas, verticalizadas através de “oficiantes, ritual gestual mais complexo”, aquelas que “apelam a conhecimento verbal específico”.[10] A tónica, na substância que anima as orações, é posta no ideário canónico Católico Romano e no património popular paralelo, que abrange um elenco de figuras e respectivos feitos em vida com potencialidades salvantes, designadamente Jesus Cristo, a Virgem Maria e os santos que, por esta ou por aquela razão, mereceram o estatuto de “medianeiros ou detentores de poder interventor sobrenatural benéfico junto dos que os invocavam em determinados perigos (materiais ou espirituais) ou específicas doenças”.[11] Observa-se com perspicácia que as orações mais representadas neste como noutros repertórios pertencem à sub-rubrica “ao deitar”, na dependência directa do imaginário ou de íntimas engrenagens vivenciais activadas “pelo temor e esperança inscrita na crença de uma primeira escatologia, cumprindo-se no imediato de cada homem com a sua morte física”.[12] Ocupa-se depois a investigadora da resenha crítica dos principais estudos sobre a oração folclórica, em Portugal, desde os positivistas oitocentistas até aos nossos dias, salientando-se, entre outros, na nossa contemporaneidade, os estudos de Manuel da Costa Fontes ou os da própria Maria Aliete Galhoz e, em Espanha, o caso notável de José Manuel Pedrosa. O leitor pode comprovar essa preocupação e curiosidade intelectual na extensiva bibliografia especializada, fornecida na introdução e no final da obra, em complemento da citada e consultada por J. A. Pombinho Júnior. A introdução engloba ainda um pormenorizado esquema da edição, quer da que o autor projectou, quer da presente edição crítica, a que não falta uma identificação sistemática, funcional, dos critérios e passos seguidos na reabilitação do texto terminal – com três testemunhos – que J. A. Pombinho Júnior não chegou a ver em forma de livro. A disposição arquitectural que controla a variedade de espécies de orações atribui-se ao próprio autor da recolha, que adoptou princípios funcionais, algumas vezes discutíveis, mas que obviamente Maria Aliete Galhoz não alterou para não falsear o que existia firmado no projecto de livro das OPP (sigla utilizada pela editora). Se, de um modo geral, se compreende perfeitamente a lógica da titulação pragmática (“Orações Quotidianas”: da manhã, antes de comer, depois de comer, ao iniciar o trabalho, ao deitar, etc.), já é menos fácil aceitar o agrupamento nomeado simplesmente “Orações”, por ser demasiado genérico, conformado, além do mais, por textos que, na sua grande maioria, não tornam problemática a sua regulação num grupo (ou em vários) que tome como denominador comum as personalidades invocadas (a Virgem Maria, Jesus e os santos). Nos dois textos registados com o título “Para defender das bruxas”, diríamos mesmo que se distende o âmbito nocional de oração, ao fazê-la coincidir com o que pertence com mais propriedade ao campo do conjuro (ou esconjuro) ou do exorcismo (o mesmo acontece, nas “Orações Diversas”, sobretudo com os textos 124 e 125: “ao fazer o trovão”).[13]

Sujeito a uma dispersão incómoda encontra-se também o título “Orações diversas”, bastando dizer que nele entram, na distribuição de A. J. Pombinho Júnior, poemas tão diversos funcionalmente como o “Padre Nosso Pequenino”, o “Padre Nosso Consolador” e o “Padre Nosso da Palma”,[14] poemas mariânicos, os que intervêm nas várias etapas da confecção do pão, outros dirigidos para a obtenção de favores sobre aves – as galinhas – muito importantes na economia doméstica, ou sobre fenómenos metereológicos (contra os relâmpagos, contra as trovoadas), ou ainda aqueles que fazem parte do arsenal verbal protector do caminhante (recitam-se quando se passa por um cruzeiro ou junto de um morto, quando se avista um cemitério ou uma estrela cadente). Poemas que, na quase totalidade, poderiam sem inconvenientes ser deslocados para secções ou subsecções mais autónomas, com uma configuração idêntica às que têm vindo a reger as classificações de Maria Aliete Galhoz.[15] As soluções passariam, por exemplo, para o “Padre Nosso Pequenino” e textos afins, pela sua inserção numa alínea de “Orações Paralelas às da Igreja”, de “Orações de Protecção ou de “Orações Quotidianas” (“Orações da Noite”), e, para as orações que invocam a Virgem Maria, pelo seu enquadramento numa área de orações “Mariânicas”. Conveniente seria ainda, neste alinhamento, a supressão dos textos que, como já dissemos, constituem (ou parecem constituir) conjuros.

Merece crédito, como se vê por esta edição crítica, o apelo de Maria Aliete Galhoz no sentido de que iniciativas deste tipo – que partiu de um convénio assinado entre a Câmara Municipal de Portel e o Centro de Tradições Populares da Faculdade de Letras de Lisboa – ocorram com mais frequência, para que outros acervos não se tornem “um puro depósito em arquivo”.[16]

Por tudo isto, não é impunemente que João David Pinto Correia, o prefaciador da obra, confessa (palavras que subscrevemos totalmente): “por vezes não soubemos bem o que mais havíamos de realçar – se, por um lado, a importância, a beleza e a riqueza do corpus, se, por outro, a relevância e a exaustividade do tratamento crítico que esse corpus mereceu da parte da sua editora literária”.[17]

Na mesma linha de investigação séria e apaixonada, a preparação em curso de um Catálogo exaustivo das orações tradicionais portuguesas, acompanhado de um necessário estudo minucioso, a partir do Fundo do Centro de Tradições Populares Portuguesas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e da própria biblioteca de Maria Aliete Galhoz, está divulgada desde 1996, numa nota que a autora dedicou a um acervo brasileiro de orações e cantos com função oracional.[18] A investigadora caracterizou desta forma esse corpus, no qual encontra interessantes similitudes funcionais e textuais com o conjunto que tem entre mãos: “apresenta um tratamento cuidado e completo, pois dá os textos e os contextos, e tem a notação musical de todos os cantos, elemento importantíssimo do que é o rosto de uma colecta viva, caso que se verifica ser o desta pesquisa”.[19]

Maria Aliete Galhoz havia já supervisionado, com a sua reputada competência e experiência no campo da literatura de transmissão oral, a classificação e arrumação das Rezas e Benzeduras de Aníbal Falcato Alves.[20] Este título parece-nos particularmente feliz, ao postergar o vocábulo “orações” – empregado depois na designação e colocação dos textos –, mais erudito, ou menos popular, pelo termo “rezas”, numa penetrante sincronização com a práxis contextual da cultura tradicional. Impor-se-ia, contudo, no texto introdutório como na taxionomia que vertebra o livro, da responsabilidade de António Simões, na mesma linha de recuperação terminológica consagrada pelo uso, se não o recurso específico, pelo menos uma alusão ao lexema “talhar” e seus cognatos (talhar a doença, cortar os canais de contacto com o mal), talvez mais célebre na tradição oral do que o vocábulo mais ou menos equivalente “benzedura”.

O labor classificatório de Maria Aliete Galhoz nestes géneros da literatura oral incidira já nos 89 textos recolhidos por Idália Farinho Custódio, acolhidos nos dois volumes da Memória Tradicional de Vale Judeu[21], cuja relevância foi já sublinhada por José Manuel Pedrosa, surpreendido com a raridade e antiguidade de alguns temas. Este investigador recebe com admiração e arrebatamento, por exemplo, a «oración transcrita en el vol. I , p. 89 (“Tinha três chaves:/ uma com que se abria, outra com que se fechava,/ e outra com que o Senhor s’alumiava./ Numa ponta tinha a lua, noutra tinha o sol pintado,/ noutra tinha Nosso Senhor crucificado”)», por ser o «único testimonio portugués que conozco de la oración panhispánica de Las tres llaves, sobre la que puede verse mi artículo “Las tres llaves y Los Huevos sin sal: versiones hispano-cristianas y judeo-sefardíes de dos ensalmos mágicos tradicionales”, Sefarad, 58 (1998), pp. 153-166».[22]

Neste zelo científico de validação e esclarecimento de uma zona ainda sombria da literatura e da prática cultural portuguesa, nas suas variáveis e invariáveis regionais, inscreve-se igualmente o recém-publicado livro Orações de Ligares. Recolhidas por Guerra Junqueiro, também organizado por Maria Aliete Galhoz e com prefácio de Arnaldo Saraiva.[23]

Dispomos já, pois, de obras que estabelecem travejamentos seguros para posteriores colecções que se pretendem regidas por critérios taxionómicos equilibrados. Fica também o convite implícito a estudos crítico-genológicos centrados na miscigenação entre o Romanceiro religioso e a oração, que absorve com insistência sequências de diferentes textos romancísticos, temática e formulisticamente disponíveis para cumprirem funções oracionais. O que a torna num espaço fértil em possibilidades de recuperação arqueológica de temas do chamado “romance-centão” religioso, como já bem lembrou Pere Ferré, no sentido da redução de um considerável atraso no ordenamento deste sector.[24]

Não menos assinalável para o conhecimento desta área literário-cultural é a supracitada obra Entre la Magia y la Religión: Oraciones, Conjuros, Ensalmos de José Manuel Pedrosa, que reúne, ampliados e refundidos, sete estudos espalhados por revistas científicas de Espanha, Portugal, Alemanha e Suécia. Trata-se de uma abordagem muito valiosa e útil para a clarificação de territórios obscuros da textualidade oral portuguesa, porquanto o autor apresenta amiúde composições da nossa literatura vocalizada (ainda movente ou fossilizada pelo registo escrito), confrontando-as criticamente com congéneres do mundo hispânico ou pan-europeu, numa revelação de filiações genéticas que ajudam a perceber o carácter amplamente itinerante, volante, de muitos dos textos que vivem na vocalidade tradicional, indiferentes a fronteiras físicas e linguísticas. Estes ensaios surgem enformados por uma visão de raiz interdisciplinar, enriquecidos com amplíssimas anotações bibliográficas, que reenviam para as múltiplas matizes – literárias, etnográficas, religiosas, mágicas, curativas, etc. – que singularizam estes textos e para as análises diversas que suscitam.

O contributo crítico deste professor e investigador de Literatura oral / popular / tradicional – um dos nomes cimeiros e de referência na recentragem do discurso crítico-literário que perturba e afronta a ortodoxia instalada – ficara já bem notado em 1995, com a publicação de Las Dos Sirenas y Otros Estudios de Literatura Tradicional (De la Edad Media al Siglo XX),[25] a que juntou, em 1999, Tradición Oral y Escrituras Poéticas en los Siglos de Oro.[26] À medida que se avança na leitura dos trabalhos deste autor, surpreende a novidade das constantes aproximações hermenêuticas comparatistas, que congraçam textos – canções, romances, provérbios, adivinhas, contos, lendas, orações, conjuros, iconografia popular, etc. – supostamente distantes e incomunicantes, num diálogo fecundo entre cultura folclórica e cultura erudita, tradição oral e tradição escrita. Aspecto não despiciendo é ainda o trabalho de fixação de materiais literários orais em prospecções de campo, com os quais alicerça uma parte substancial dos seus escritos, ao mesmo tempo que garante a sua preservação e iluminação exegética.

O autor encara a complexa questão da poesia religioso-supersticiosa defendendo, “con calculada y resignada ambigüedad”, o carácter mágico-religioso[27] destes actos de linguagem – actos de fala imbuídos de significado transcendente, proferidos preferencialmente por mulheres experientes (rezadeiras ou benzedeiras), munidas de um “dom” ou de uma aptidão enérgicas[28] – que utilizam a categoria do performativo como mecanismo essencial, ao pretenderem fazer acontecer, realizar acções socialmente determinadas (pedidos, ordens, promessas, etc.). O “Prólogo” encerra irrepreensivelmente com a convicção de que o mágico e o religioso constituíam (e constituem) universos complementares, uma conformação, afinal, que “podía com mucha más razón y com mucha más justicia haberse considerado y valorado como un patrimonio que unía y acercaba, por encima de épocas, fronteras y tradiciones”.[29] Nesta poesia conflui todo um complexo mosaico cultural que sustenta, na ideia de fusão do mundo em Deus e nos santos, um recurso ditado talvez «pela falta de espessura humana, carnal, terrestre e comunitária da existência humana que o rito “oficial” recalca»,[30] provocando a obnubilação (mas não o turvamento irreversível) dos resíduos pagãos afectos à estrutura dos ritos cristãos. No que se vê a natureza dilemática, problematizante, do pensamento, das intuições e das construções ou significações religiosas populares, situadas em geral à margem do padrão especificamente eclesial do culto.

            O hibridismo destas formas marginalizadas de poesia oral legitima as cautelas com que José Manuel Pedrosa aborda os textos empíricos, viventes ou superviventes durante séculos, nalguns casos milénios, no fundo mais íntimo e recôndito da tradição popular hispânica, hispano-portuguesa, pan-europeia e mesmo universal (veja-se o minudente estudo “Ritos y ensalmos de curación de la hernia infantil: tradición vasca, hispánica y universal”).[31] Algumas das manifestações poemáticas convocadas para as páginas deste livro foram rezadas, com a mesma observância piedosa, por pessoas de credos distintos, cristãos e judeus, por exemplo, e ao longo de épocas muito diferentes, desde a antiguidade pré-cristã até aos dias de hoje, numa admirável firmeza das suas ressonâncias míticas e pagãs ou da sua prática mágico-sagrada. Aparece como inevitável perceber que estamos perante influentes textos compósitos, seminais, que procuram deter, na ancoragem possibilitada pelo sobrenatural, a aproximação da desarmonia e da morte. Este devocionário popular, colectivo, oferece soluções para doenças declaradas, como oferece protecções ao longo da jornada diária (repare-se nas orações da noite: “Obrigado, ó bom Jesus,/ Pelo Vosso grande amor,/ Perdoai-me o mal que fiz,/ Ajudai-me a ser melhor”).[32] No “Prólogo”, exemplar pela clareza e agudeza das sínteses propostas, adverte para as dificuldades colocadas a conceitos unívocos de “oración”, “conjuro”, “ensalmo” e “plegaria”, o que não obsta a que ensaie definições que se constituirão certamente em auxiliares preciosos para especialistas, estudantes ou meros curiosos da cultura e da literatura oral / popular. O desiderato de ordenar e compreender um espaço textual amplo e difuso fundamenta, por exemplo, as restrições impostas ao uso do termo “plegaria” – tipo de oração em que se sobrelevam os planos da submissão, arrependimento, súplica e pedido de perdão à divindade, com ou sem gestos e comportamentos físicos de genuflexão ou prostração[33] –, em virtude precisamente da flutuação tipológica de que se revestem os textos cobertos por essa designação, ao deflectir eventuais traços distintivos relativamente à oração. Esta sistematização revela-se utilíssima para o desenvolvimento salutar das investigações lusas no âmbito destas práticas culturais movediças, que continuam a resistir a uma desmontagem crítica efectiva, muito por influência da corrupção adveniente dos usos e abusos de denominações imprecisas, indistintas, redundantes, com a agravante da ignorância não assumida por parte dos seus autores (que deveriam ser mais precatados, como se exige sempre que se obra com utensilagens teórico-metodológicas pouco nutridas) e dos consequentes atrasos científicos que se vão acumulando e agudizando.[34] Aguarda-se, assim, um ensaio que contemple um excurso fundamentado, circunstanciado, dos problemas que afectam estas denominações e proponha uma revisão conceptual de fundo, com vista a um estabelecimento, tão firme quanto possível, de um quadro analítico que sinalize os veios capitais de cada um desses universos, definindo especificidades e contactos íntimos ou tangenciais.

São fluidas as fronteiras entre oração e reza, mas consideramos mais ou menos pacífico afirmar que “oração”, no seu significado genérico, dicionarizado, de invocação a Deus ou aos santos, apontada regra geral como sinónimo de “reza” e “prece”, se compromete, antes de mais, com um envolvimento conceptual histórico-religioso que a associa a objecto linguístico de constituição quase sempre ortodoxa. Não é por acaso que algumas orações se filiam no registo impresso (folhetos, folhinhas, pequenos manuais), aceite, e às vezes incrementado, pelos organismos religiosos dominantes. Maria Aliete Galhoz lembra, a este propósito, os louvores mariânicos que, muito possivelmente, se ligariam aos “cânticos que entremeavam a recitação de novenas em confrarias e irmandades sob invocações várias da Virgem”, prática cultual que tinha por guião um pequeno opúsculo.[35] Já “reza” remete mais para a vertente física ou sonora do texto, isto é, da prolação, o que supõe especiais qualidades comunicativas (oratórias, persuasivas) dos enunciadores, na actualização pública como na privada, em voz alta como em voz baixa; e “prece” (do latim precari, que quer dizer “suplicar”, “rogar”) promove um discurso fortemente conotado com súplica, rogo, pedido de perdão, arrependimento, afastando-se das outras modalidades precatórias pela maior amplitude da submissão à personagem divina. As causas que provocam o aparecimento da oração e da prece diferem geralmente do pendor prospectivo da primeira – destinada ao rogo de favores futuros –, e retroactivo da segunda –, interessada na resolução de erros cometidos no passado.

            Esta poesia religioso-profana – arte aberta, variacional, combinatória, que partilha dos mesmos impulsos de fecundação, adaptação, recriação e reprodução da poesia oral – é prova sólida da composição fortemente sensorial da religião popular, que preenche com ritos e festas o vazio ou a anulação a que a Igreja oficial, espiritualista, intimista e abstracta, submete o corpo e o sensório. O movimento indecidido de um “Padre Nosso Pequenino”[36], de uma “Oração da Quarentena” ou de uma benzedura (no organismo entretecido pelos códigos linguístico, gestual, proxémico[37] e melódico-musical) deflui da existência potencial da estrutura de superfície, um composto de forças que estremece e se expande ou comprime em cada actualização. A preservação do núcleo da forma arquetípica – reconhecível, em tempos e espaços diferenciados, nas multiplicadas versões do mesmo corpo textual – não é imune a corrupções, substituições, reduções, supressões, ampliações e contaminações, fenómenos diversos da poética do oral, interobrantes em vez de contraditórios, fecundantes ao invés de castradores da continuidade e originalidade do território em que actuam. As permutas vocabulares decorrem não raro da dissolução fonemática (“Oh meu filho Nicolau,/ Oh meu filho Nicolosso,/ Oh meu bispo tão formoso”), seja por dificuldades de prolação ou desconhecimento efectivo do lexema, seja porque a nova palavra resulta mais sonora e melodiosa (como parece ser o caso do exemplo anterior), seja por preferências ideológicas ou ideo-religiosas (como sucede nas comutações que envolvem menções crísticas, marianas ou de santos populares). As valências desencadeadas pela propensão migratória de certas sequências produzem orações compósitas, estruturas de ressonância que viabilizam o reconhecimento e a eterna reciclagem da matéria temática e métrico-rítmica da arte verbal tradicional. A tendência para a concisão – intrínseca à poesia oral, por força das suas especificidades técnico-literárias, de recepção e de transmissão – determina cortes de etapas ou versos considerados remanescentes, mas não invalida o efeito orgânico – moderado – oposto, ocorrente em especial, como é óbvio, nos textos de pendor narrativo-dramático, indicação e vicissitude, de resto, dos infinitos movimentos de (re)criação da obra literária oral.

A poética destas obras versificadas “de circunstância”,[38] de acordo com a categorização de P. Matvejevitchi, assim denominadas por celebrarem, cantadas, recitadas ou salmodiadas, em determinados rituais ou cultos, os sucessos da vida privada ou subjectiva, psíquica, vale-se de uma dinâmica retórica que vive da brevidade e, interactivamente, de procedimentos de intensificação. Um número muito significativo destas práticas linguístico-discursivas adopta como estrutura funcional a famigerada e operativa quadra (a quintilha e a sextilha também não são invulgares), forma mínima que, nos estreitos limites da sua dicção poética, condensa e veicula os traços fundamentais da piedade popular, mormente a ânsia de transcendência e a atracção pelo controlo das vicissitudes terrenas, num modelo em que se fundem sentimentos de devoção e de investimento pessoal, à margem do padrão canónico do culto. A par da rede de áreas do conhecimento que confluem nestes (quase sempre) pequenos poemas, ressalta a sua interessante arquitectura estético-literária, responsável, em grande parte, pelo seu extraordinário sucesso no tecido psicossocial das comunidades que os actualizam. Do estilo litânico, murmurante, sincopadamente marcado pela reiteração fónico-semântica, ressuma a crença no estabelecimento de um diálogo profícuo, reparador, às vezes profiláctico (como nas orações de viagem), com o sobrenatural, o desconhecido, o misterioso.

O nonsense léxico-semântico que atravessa muitos versos potencia as virtualidades sonoras e compassadas da palavra, veículo privilegiado de acesso ao domínio do mágico, porém interrelacionado com outros actos pragmáticos, crenças ou convenções integrados no mesmo “programa ritual”, como, por exemplo, as atitudes gestuais, corporais, do orante, ou os “objectos funcionais, simbólicos, indiciais (traços, vestimentas)”.[39] Corruptelas, inéditas e inusitadas sequências fónicas, jorro lúdico de palavras, repetições, anáforas, sinonímias são apenas alguns dos elementos retóricos que concorrem para o valor exponencial – artístico e funcional (persuasivo) – do significante, já em plano primacial na superfície poemática por acção de tropos de estrita base fónica (vários tipos de rima, aliterações, assonâncias).

A tessitura lírica que caracteriza estas obras acolhe muitas vezes aprofundadas realizações narrativas com inevitáveis consequências dramáticas, visíveis no corrimento dialogante instaurado por personagens (“heróis”) – figuras cimeiras no imaginário cristão, portanto sujeitos-operadores credíveis – ocupadas numa progressão tendente à consecução de um fazer de densidade ético-religiosa, justificável pelo imperativo de reposição da ordem no plano do humano. Nos ensalmos ou nos responsos e nas benzeduras, esconjuros ou exorcismos, mais injuntivos ou autoritários, na sua missão curativa, regenerativa, do que as orações anódinas, impetrantes, os agentes destruidores ou perturbadores do equilíbrio físico, psicossomático ou cósmico sofrem a acção do poder exorcizante de cerimónias privadas, dir-se-ia mesmo clandestinas, instituídas numa espantosa mistura sinérgica entre o sagrado e o profano. Não obstante essa naturalidade, as orações e as benzeduras, dotadas de efeitos sugestivos, poéticos, práticos, são linguagem estética, materializada numa textura de sinais (verbais, sonoros, posturais, instrumentais, etc.) que, corporizando a obra, a tornam poderosa e comunicável.

Exemplificando: nalgumas das versões da “Oração da Trovoada”, responso que mereceu já um interessante estudo etnográfico e semiótico de José Augusto M. Mourão,[40] passível de producente aplicação a outros textos do género, relata-se uma brevíssima história – que não carece dos factores nucleares da narratividade – protagonizada por um actante (Santa Bárbara, Santo António, S. Jerónimo, etc.) credibilizado por actos factuais ou lendários, que beneficia ainda da participação activa de um sujeito-adjuvante (“Jesus”, “Nosso Senhor”, “Nossa Senhora”). A singeleza do episódio narrado afigura-se inversamente proporcional às virtudes que se lhe atribuem, reforçadas pela pronunciação final, reiterativa, de canónicos Pais-Nossos e Ave-Marias. Mas a verdade é que desenha um mundo potencial com credibilidade garantida, porque suficientemente próximo e distante da referencialidade quotidiana. Desproporcional aos efeitos produzidos ou pretendidos poderá também parecer a estilística participante na construção textual, ao praticamente prescindir de figuras de pensamento em favor de uma linguagem de “degré zéro”, como a entendiam os autores da Rhétorique Générale,[41] quer dizer, um discurso naïf e sem artifícios, retractivo a ornatos e subentendidos. A contextura estética da seguinte versão de Reguengos de Monsaraz da “Oração a S. Jerónimo”[42] depende muito da cadenciada celeridade narrativa (repare-se na fluência assindética ininterrupta dos sete primeiros versos e no encadeamento paratáctico dos últimos seis), da energia elocutiva do verbo e do substantivo (o adjectivo é raro, mesmo inexistente, noutras versões), do andamento a um tempo poético e piedoso (os diminutivos cumprem uma função expressiva de grande amplitude artística e emocional) que se desprende dos efeitos rítmicos das rimas internas (conjugadas por vezes com a assonância) e finais emparelhadas, estimulantemente quebradas por dois versos brancos, das intensas sequências anafóricas (vv. 3-5 e vv. 11-15), também com repercussões no plano sonoro (por outro lado, o verso inaugural irmana-se aos três sequentes através da sibilante, que erige uma ressonância solene, consentânea com o estatuto da personagem e a qualidade da acção), bem como de outros recursos de natureza prosódica que uma análise micro-estilística (excrescente aqui e agora) rapidamente evidenciaria:

 

S. Jerónimo se levantou,

Seu sapatinho d’ouro calçou,

Seu cacheirinho agarrou,

Seu caminho caminhou.

Deus Nosso Senhor o encontrou.

– Onde vais, S. Jerónimo?

– Vou espalhar esta trovoada

Que por cima de nós anda armada.

– Espalha-a lá para bem longe,

Para onde não haja pão nem vinho,

Nem flor de rosmaninho,

Nem eira nem beira,

Nem raminho de oliveira,

Nem gadelhinho de lã,

Nem alminha cristã.[43]

 

No contexto operacional autonomizado pela voz, a palavra dita, fixada na voragem do tempo, num lugar situado entre o visível e o invisível, não pode ser rasurada da perpétua efemeridade que a alberga. “Verba manent”, portanto, numa reescrita da máxima latina sobre a permanência dos “escritos” e dos “ditos”, sugerida pelo eco perseverante destas práticas poéticas de ligação (na acepção religiosa do termo). Conforme escreve Denys Thompson, “Poetry was developed because it was needed, as an art in which words do more than just make statements; and the way in which we metaphorically speak of enchantment is a survival from a time when poetry was practical and purposeful”.[44]

Descobrimos (ou redescobrimos), nas páginas destes livros, ordenados pela sabedoria de quem reconhece nestes activos simbólicos e nesta literatura virtualidades por sondar, dois pensadores sistemáticos e metódicos que nos conduzem por vertiginosos cursos culturais que o nosso tempo ainda não compreendeu nem abandonou na totalidade. É sóbrio e alentado o entusiasmo (e o inconformismo intelectual) com que estes autores tratam os objectos em estudo e contagiante a energia que provém da agudeza e da pertinência das suas análises finas e transparentes. As suas focagens, numa perspectivação teórico-metodológica fundeada em novos ou (re)descobertos materiais e métodos renovados, acarretam abalos que vêm animar o progressivo grau de legitimação de uma literatura tradicionalmente sancionada pelas malhas estreitas da ortodoxa clivagem literário/não-literário.



[1] José Manuel Pedrosa releva, no contexto da investigação hispânica, a importância qualitativa do estudo Oraciones, Ensalmos y Conjuros Mágicos del Archivo Inquisitorial de la Nueva España. 1600-1630. Edición Anotada y Estudio Preliminar, tesis de maestria (México, UNAM, 1994): Entre la Magia y la Religión: Oraciones, Conjuros, Ensalmos, Oiartzun (Gipuzkoa), Sendoa Editorial, 2000, p. 8.

[2] Edição crítica de Maria Aliete Dores Galhoz, prefácio de João David Pinto Correia, Lisboa, Edições Colibri / Câmara Municipal de Portel, 2001.

[3] Idem, pp. 26-27.

[4] Cf. «O romance vulgar “D. Aleixo” na tradição algarvia: análise de dois testemunhos de Estácio da Veiga”, in Revista Lusitana – Nova Série, n.º 11, Lisboa, Universidade de Lisboa, Centro de Tradições Populares Portuguesas, 1993, pp. 19-32.

[5] Cf. Orações Populares Recolhidas em Portel, pp. 25-27.

[6] Idem, p. 23.

[7] Idem, p. 17.

[8] Idem, p. 21.

[9] Idem, p. 24. Em nota de rodapé, a autora explicita, com um exemplo retirado do Cancioneiro Tradicional de Trás-os-Montes (recolhido e organizado por Samuel G. Armistead et alii., 1998), o processo de descrição das informações atinentes ao texto oral / popular transladado para o papel, nomeadamente o dado geográfico, a modalidade de interpretação (canto, recitação) do texto, o nome e a idade do informante (a que poderá juntar-se qualquer informação que possa ser pertinente para o estudo do espécime), o nome do colector e a data da recolha.

[10] Idem, p. 10.

[11] Idem, p. 9.

[12] Ibidem.

[13] Idem, pp. 144-145.

[14] Idem, pp. 129-132.

[15] Cf. infra outras obras da autora.

[16] Orações Populares Recolhidas em Portel, p. 22.

[17] Idem, p. V.

[18]Preces à chuva / Orações Contra as Trovoadas. Algumas nótulas a partir de um acervo de Olímpia, Brasil, publicado”, in Revista Lusitana Nova Série, n.º 15, Lisboa, Universidade de Lisboa, Centro de Tradições Populares Portuguesas, 1996, pp. 111-121.

[19] Idem, p. 119.

[20] Organização e prefácio de António Simões, colaboração de Odete Espírito Santo e Maria Aliete Galhoz, grafismo de Armando Alves, fotografia de Manuel Costa e Silva, Porto, Campo das Letras, 1998.

[21] Co-autora dos dois nutridos volumes que compõem esta obra, Maria Aliete Galhoz encarregou-se da classificação, organização e notas e da recolha anterior a 1960 e de 1963. 2 vols., Loulé, Câmara Municipal de Loulé, 1996-1997.

[22] Recensão “Idália Farinho Custódio y Maria Aliete Farinho Galhoz, Memória Tradicional de Vale Judeu, vols. I y II, Loulé, Câmara Municipal de Loulé, 1996-1997, 356 y 457 pp.”, in Estudos de Literatura Oral, Faro, 1998, p. 230.

[23] Porto, Campo das Letras / Fundação Guerra Junqueiro, 2001. Leia-se a recensão de José Joaquim Dias Marques relativa a esta obra, publicada neste número da Estudos de Literatura Oral.

[24] “O Romanceiro da tradição oral moderna e as orações. Relendo El Romancero Espiritual en la Tradición Oral de Diego Catalán”, in Piedade Popular. Sociabilidades, Representações, Espiritualidades, Actas do Colóquio Internacional, Lisboa, Terramar, Centro de História da Cultura / História das Ideias, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 20/23 de Novembro de 1998, 1999, pp. 473-485.

[25] Madrid, Siglo XXI de España Editores, 1995.

[26] Oiartzun, Sendoa, 1999.

[27] Entre la Magia y la Religión: Oraciones, Conjuros, Ensalmos, p. 15.

[28] Sobre as protagonistas destes ritos “domésticos” e de outros rituais que perseguem o contacto com o sobrenatural, cf. os recentes e inovadores trabalhos de José Garrucho Martins, As Bruxas e o Transe. Dos Nomes às Práticas, apresentação de Moisés Espírito Santo, posfácio de Moisés Lemos Martins, V. N. Gaia, Estratégias Criativas, 1997, e de Elvira Lobo, A Doença e a Cura. Recorrência à Bruxaria na Procura de Saúde, prefácio de Moisés Espírito Santo, V. N. Gaia, Estratégias Criativas, 1995. Num texto sobre os “curandeiros e a medicina popular”, Teófilo Braga alude à composição dual das fórmulas médicas do povo, formadas por uma prodigiosa parte mágica e por uma vertente terapêutica. O mesmo é dizer que “se cura directa e exclusivamente com palavras, ou em que há também uma parte terapêutica, poções (fervedouros), cataplasmas ou estopadas, e pomadas ou unturas” (O Povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições, vol. II, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1986 (1.ª ed., 1885), p. 153).

[29] Entre la Magia y la Religión: Oraciones, Conjuros, Ensalmos, p. 16.

[30] José Augusto M. Mourão, “A oração a Santa Bárbara (semiótica da acção, semiótica da manipulação)”, in Revista Lusitana – Nova Série, n.º 3, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1982-1983, p. 22.

[31] Idem, pp. 135-171.

[32] Oração pertencente à nossa recolha de campo no concelho de Baião, a publicar no nosso projectado Benzeduras e Rezas de Baião.

[33] Entre la Magia y la Religión: Oraciones, Conjuros, Ensalmos, p. 11.

[34] Isto apesar de podermos partir de uma plataforma classificatória prudente e estável, alvitrada por João David Pinto Correia, que inclui estas obras no macroconjunto das “composições de carácter lírico”, aquelas que “Dizem respeito à autêntica experiência da vida do Povo, na qual o sentimento ou a crença se revela como o suplemento principal da vivência quotidiana” (“Os géneros da literatura oral tradicional: contributo para a sua classificação”, in Revista Internacional de Língua Portuguesa, n.º 9, Lisboa, Julho de 1993, pp. 65-66).

[35] Orações de Ligares. Recolhidas por Guerra Junqueiro, p. 26.

[36] Maria Aliete Galhoz recorda oportunamente que esta oração protectiva, provinda de uma intensa circulação na Idade Média, “propagou-se a todo o mundo cristão e volvida nas línguas autóctones tornou-se das mais populares e difundidas oralmente, tanto mais que entrou no património infantil, pois era uma das orações que primeiro se ensinavam às crianças mais pequenas” (“Sobre a tradição oral algarvia. I – Poesia recolhida na frequesia de Querença. As orações”, in Estudos de Literatura Oral, n.º 1, Faro, 1995, p. 97).

[37] Cf. P. Fabri, “Considérations sur la Proxémique », in Langages, n.º 10, Paris, 1960, pp. 65-75.

[38] Pour une Poétique de l’Événement, Paris, UGE, 1979.

[39] José Augusto M. Mourão, “A oração a Santa Bárbara (semiótica da acção, semiótica da manipulação)”, pp. 15-16.

[40] Ibidem.

[41] Jacques Dubois et alii, Paris, Larousse, 1970.

[42] José Augusto M. Mourão, “A oração a Santa Bárbara (semiótica da acção, semiótica da manipulação)”, p. 24.

[43] Ibidem.

[44] The Uses of Poetry, Cambridge, Cambridge University Press, 1974.